Bem sei que nos últimos tempos , nas publicações que tenho efectuado , me tenho desviado um pouco da essência que me levou à construção desta página . Concordo plenamente se isso me apontarem . Mas , por vezes é necessário cair na realidade , desviarmo-nos da rota e , se noutros assuntos achei pertinente fazer tal desvio , hoje então é de pertinência extrema .
Ontem , pouco passava das dez da noite e como é habitual estava no café onde eu e o meu grupo de amigos nos juntamos para o ritual de fim do dia . Bebiamos a bica do após jantar e desentorpecíamos a língua , a conversa gravitava em torno das noticias do dia , com concordância ou discordância entre risos e improvisos a mesma fluía como sempre , sem sobressaltos .
Nessa altura , entra no estabelecimento um ser "humano" do sexo feminino , que aparentava ter por volta dos quarenta anos , num estado lastimoso , corpo de tal forma magro , que mais não tinha do que pele e osso , esquelético . Arrastava-se com dois sacos de plástico , um em cada mão , a dificuldade dos movimentos e os olhos de tal ordem vidrados , denunciavam um flagelo da sociedade . A custo , trôpega , dirigiu-se ao balcão , em palavras quase imperceptíveis na dicção e em surdina , dialogou com a dona do café , esta rápido se apercebeu do drama humano que tinha à sua frente .
Tinha fome , queria telefonar à mãe porque não conseguia ir para casa e não tinha tinha dinheiro . Enquanto a proprietária do estabelecimento lhe arranjava algo para comer , a filha da dona do café , depois daquele farrapo humano lhe ter dado o número de telefone , ligou para o tal número e passou-lhe o telefone . De língua presa , muito pouco audível e de olhos que se apagavam constantemente , nada mais , nada mais disse a não ser : " Mãe , vêm-me buscar ... " .
Quem teve de falar a a pobre senhora que estava na outra ponta da linha , foi a filha da dona do estabelecimento , informando-a do que se estava a passar e dando-lhe as indicações do local onde o triste ser se encontrava .
O tempo foi passando , entre mordidelas no pedaço de pão e bebericadelas na 7up , os apagões da existência foram constantes , quase se prostrava sobre a mesa .
Subitamente , surgiu um pequeno grupo de adolescentes , encabeçado por uma rapariga bem apresentada , despachada . Ao avistar a referida pessoa , no interior do estabelecimento , dirigiu-se de imediato à mesma ( depreendemos que fosse familiar , rápido se constatou que era filha ) , dirigindo-lhe a palavra :
- Então estás feliz !? Assim é que estás bem , não é ??
- Porque é que não veio a tua avó !? ( Respondeu aquela espécie de ser humano ).
- Sabes bem que a avó já mal pode andar , vá vamos embora ... estás linda ... que vergonha ... que desgosto ...
A rapariga olhou em redor , nesse momento dois enormes rios de lágrimas inundaram-lhe o rosto rosado de são e , a tristeza ancorou devastadora na sua alma ...
- Devo aqui dinheiro ...
- Porque não disseste ao telefone ... Eu vim a correr , nem a carteira tenho comigo .
A boa samaritana , filha da dona do café , nada quis , adiantando que não se preocupa-se com isso , porque mais grave era o que ela tinha ali à sua frente . Entre lágrimas , a pobre rapariga agradeceu e saíram do café .
Ao cruzar com todos nós , que olhávamos incrédulos , a rapariga deixou escapar , por entre os dentes límpidos , uma pequena frase carregada de ódio :
- Maldita heroína .
Enfim ,o tema de conversa sucumbiu ao acontecimento , elogiámos aquela filha e tentámos avaliar o seu sofrimento ...
Publicado por : Charroco