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Maldita heroína .

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Sexta-feira, 28 de Março de 2008

Maldita heroína .

 

    Bem sei que nos últimos tempos , nas publicações que tenho efectuado ,  me tenho desviado um pouco da essência que me levou à construção desta página . Concordo plenamente se isso me  apontarem . Mas , por vezes é necessário cair na realidade , desviarmo-nos da rota e , se noutros assuntos achei pertinente fazer tal desvio , hoje então é de pertinência extrema . 

 

     Ontem , pouco passava das dez da noite e como é habitual estava no café  onde eu e o meu  grupo de amigos nos juntamos para o ritual de fim do dia . Bebiamos a bica do após jantar e desentorpecíamos a língua ,  a conversa gravitava em torno das noticias do dia , com concordância ou discordância entre risos e improvisos a mesma fluía como sempre , sem sobressaltos .

      Nessa altura , entra no estabelecimento um ser "humano" do sexo feminino , que aparentava ter por volta dos quarenta anos , num estado lastimoso , corpo de tal forma magro , que mais não tinha do que pele e osso , esquelético . Arrastava-se  com dois sacos de plástico , um em cada mão , a dificuldade dos movimentos e os olhos de tal ordem vidrados , denunciavam um flagelo da sociedade . A custo , trôpega , dirigiu-se ao balcão , em palavras quase imperceptíveis na dicção e em surdina , dialogou com a dona do café , esta  rápido se apercebeu do drama humano que tinha à sua frente .

      Tinha fome , queria telefonar à mãe porque não conseguia ir para casa e não tinha tinha dinheiro . Enquanto a proprietária do estabelecimento lhe arranjava algo para comer , a filha da dona do café , depois  daquele  farrapo humano lhe ter dado o número de telefone , ligou para o tal número e passou-lhe o telefone . De língua presa , muito pouco audível e de olhos que se apagavam constantemente  , nada mais , nada mais disse a não ser : " Mãe , vêm-me buscar ... " .

       Quem teve de falar a a pobre senhora que estava na outra ponta da linha , foi a filha da dona do estabelecimento , informando-a do que se  estava a passar e dando-lhe as indicações do local onde o triste ser se encontrava .

        O tempo foi passando , entre mordidelas no pedaço de pão e bebericadelas na 7up , os apagões da existência foram constantes , quase se prostrava sobre a mesa .

         Subitamente , surgiu um pequeno grupo de adolescentes , encabeçado por uma rapariga bem apresentada , despachada . Ao avistar a referida pessoa , no interior do estabelecimento ,  dirigiu-se de imediato à mesma ( depreendemos   que fosse familiar , rápido se constatou que era filha ) , dirigindo-lhe a palavra :

 

- Então estás feliz !? Assim é que estás bem , não é ??

- Porque é que não veio a tua avó !? ( Respondeu aquela espécie de ser humano ).

- Sabes bem que a avó já mal pode andar , vá vamos embora ... estás linda ... que vergonha ... que desgosto ...

 

         A rapariga olhou em redor , nesse momento  dois enormes rios de lágrimas  inundaram-lhe o rosto rosado de são e , a tristeza ancorou  devastadora na sua alma ...

 

- Devo aqui dinheiro ...

- Porque não disseste ao telefone ... Eu vim a correr , nem a carteira tenho comigo .

 

     A boa samaritana , filha da dona do café , nada  quis , adiantando que não se preocupa-se com isso , porque mais grave era o que ela tinha ali à sua frente . Entre lágrimas , a pobre rapariga agradeceu e saíram do café .

Ao cruzar com todos nós , que olhávamos incrédulos , a rapariga deixou escapar , por entre os dentes límpidos , uma pequena frase carregada de ódio :

 

- Maldita heroína .

       

Enfim ,o tema de conversa sucumbiu ao acontecimento , elogiámos aquela filha e tentámos avaliar o seu sofrimento ...

 

 

 

 

 

Publicado por : Charroco

 

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