- Êtlá aí compadri Galvanito , atão adondi é que vai nessa correria .
- Éi uma coisa urgenti ... Vou à do mê Chico Zéi !
- Atão , ouve azari , foi ?
- Nã sei , eli mandou o gaito da Anacleta vir cá dar-mi o recado , que era muito urgenti .
- Ê cá vou consigo , nã se vá dar ó caso de precisarem d'ajuda .
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- Atão Chico Zéi , madáste-mi chamari , quera urgenti , o quei que se passa !?
- Calha mesmo bem que chegaram ! Venham cá vêri esta coisa quê cá tenho aqui .
- Eh pôrra , mas que raio de bicho éi esti !! Compadri Florêncio , preguelhe já um tiro antes qu'eli se mexa .
- Êtlá ai , ninguém dá tiros , qu'isto nã éi bicho que se mate ...
- Dondi éi que tu foste apanhar este aranhiço , mas eli nã faz mali !?
- Nã pai , isto éi uma mánica , uma mánica agricola .
- Tu nã m'enganes Chico Zéi , Tu apanháste isto pr'áí no meio do mato e vieste esconde-la aqui ...
- Ó pai , isto éi uma mánica , daquelas muito sufisticadas para cortar as árvores , faz logo o trabalho todo . Fui agora mesmo buscá-la á do Fialho a Évora . Querem vê-la a trabalhari !?
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Bem sei que nos últimos tempos , nas publicações que tenho efectuado , me tenho desviado um pouco da essência que me levou à construção desta página . Concordo plenamente se isso me apontarem . Mas , por vezes é necessário cair na realidade , desviarmo-nos da rota e , se noutros assuntos achei pertinente fazer tal desvio , hoje então é de pertinência extrema .
Ontem , pouco passava das dez da noite e como é habitual estava no café onde eu e o meu grupo de amigos nos juntamos para o ritual de fim do dia . Bebiamos a bica do após jantar e desentorpecíamos a língua , a conversa gravitava em torno das noticias do dia , com concordância ou discordância entre risos e improvisos a mesma fluía como sempre , sem sobressaltos .
Nessa altura , entra no estabelecimento um ser "humano" do sexo feminino , que aparentava ter por volta dos quarenta anos , num estado lastimoso , corpo de tal forma magro , que mais não tinha do que pele e osso , esquelético . Arrastava-se com dois sacos de plástico , um em cada mão , a dificuldade dos movimentos e os olhos de tal ordem vidrados , denunciavam um flagelo da sociedade . A custo , trôpega , dirigiu-se ao balcão , em palavras quase imperceptíveis na dicção e em surdina , dialogou com a dona do café , esta rápido se apercebeu do drama humano que tinha à sua frente .
Tinha fome , queria telefonar à mãe porque não conseguia ir para casa e não tinha tinha dinheiro . Enquanto a proprietária do estabelecimento lhe arranjava algo para comer , a filha da dona do café , depois daquele farrapo humano lhe ter dado o número de telefone , ligou para o tal número e passou-lhe o telefone . De língua presa , muito pouco audível e de olhos que se apagavam constantemente , nada mais , nada mais disse a não ser : " Mãe , vêm-me buscar ... " .
Quem teve de falar a a pobre senhora que estava na outra ponta da linha , foi a filha da dona do estabelecimento , informando-a do que se estava a passar e dando-lhe as indicações do local onde o triste ser se encontrava .
O tempo foi passando , entre mordidelas no pedaço de pão e bebericadelas na 7up , os apagões da existência foram constantes , quase se prostrava sobre a mesa .
Subitamente , surgiu um pequeno grupo de adolescentes , encabeçado por uma rapariga bem apresentada , despachada . Ao avistar a referida pessoa , no interior do estabelecimento , dirigiu-se de imediato à mesma ( depreendemos que fosse familiar , rápido se constatou que era filha ) , dirigindo-lhe a palavra :
- Então estás feliz !? Assim é que estás bem , não é ??
- Porque é que não veio a tua avó !? ( Respondeu aquela espécie de ser humano ).
- Sabes bem que a avó já mal pode andar , vá vamos embora ... estás linda ... que vergonha ... que desgosto ...
A rapariga olhou em redor , nesse momento dois enormes rios de lágrimas inundaram-lhe o rosto rosado de são e , a tristeza ancorou devastadora na sua alma ...
- Devo aqui dinheiro ...
- Porque não disseste ao telefone ... Eu vim a correr , nem a carteira tenho comigo .
A boa samaritana , filha da dona do café , nada quis , adiantando que não se preocupa-se com isso , porque mais grave era o que ela tinha ali à sua frente . Entre lágrimas , a pobre rapariga agradeceu e saíram do café .
Ao cruzar com todos nós , que olhávamos incrédulos , a rapariga deixou escapar , por entre os dentes límpidos , uma pequena frase carregada de ódio :
- Maldita heroína .
Enfim ,o tema de conversa sucumbiu ao acontecimento , elogiámos aquela filha e tentámos avaliar o seu sofrimento ...
Publicado por : Charroco